segunda-feira, 2 de maio de 2022

MIUT - Madeira Island Ultra Trail 85k

Há muito sonhado, e demasiado adiado.


Finalmente fui ao MIUT, e pude verificar que esta é sem dúvida a prova rainha do trail em Portugal, está 1 nível acima em tudo: em organização, em beleza, em dureza...

Fui aos 85, "só" aos 85 e chegou para ficar completamente enamorado pela prova.





À hora marcada foi dada a partida em São Vicente ao som de "Highway to hell" dos ACDC, uma música que faz jus ao que nos esperava, embora estivéssemos num autêntico paraíso. Arranquei calmo, a não me entusiasmar até porque nem dá para isso já que pouco depois da partida apanha-se logo uma subidinha daquelas que faz transpirar!! 

O 1º segmento até à Ribeira Grande é bastante fácil, mas de tão descontraído que ia apanhei um susto, quando coloquei um pouco mal o pé e senti de imediato uma dor bastante aguda.. parei imediatamente e depois de respirar fundo segui mas um bocado coxo e com dificuldades em equilibrar na estreita levada em que entrámos de seguida...

Lá me recompus, e passei no abastecimento onde não demorei tempo nenhum, para entrar de imediato na 1ª grande subida da prova com os tradicionais degraus, que nos iriam levar até à Encumeada. O plano era colocar um ritmo constante, mas ficou só mesmo por isso, pela ideia!! porque com tanta gente era impossível ir ao ritmo que queria, bem como ultrapassar. É o que é... siga!!


Abastecimento da Encumeada, mal entro encosto logo para tirar a camisola de mangas que levava por baixo da tshirt, já ia cheio de calor. Depois de tratada esta parte, inicio o reabastecimento dos flasks, comer qualquer coisa e tomar um café. Encontrei o João Fonseca que estava nos 115km, super bem disposto e trocámos umas palavras. Estou despachado e sigo. Cerca de 15km separam-me do Curral das Freiras, e é aqui onde se situa uma das partes para a qual mais me alertaram: a descida pro Curral. 

Desço um bocado e dou início à famosa subida do pipeline. Liga-me a Cidália, que está desde casa a acompanhar ao minuto a minha prova e do Paulo Sousa que está nos 115. Pergunta-me se vou bem, porque passei no controlo da Encumeada em 2º lugar a apenas 19 segundos do 1º classificado!! WHATTTTTTTT???????????? lol Opá eu vou bem, mas não exageremos !!!!!

A prova!! Passei em 2º da Geral 😂


Conquistada esta subida, sabia que agora era um bocado que dava para rolar - vantagem de ter lido e relido todos os relatos das 6 passagens pelo MIUT do Filipe Torres!! E se dá para rolar, então vamos a isso!! Vou a correr e no rosto levo um sorriso "`à la Courtney Dawalter"!! Vou a sentir-me bem, em perfeita harmonia com o trilho. O Richard liga-me para saber como estou, e a melhor forma de lhe dizer foi que me sentia uma criança num imenso parque de diversões. Era tal e qual como me sentia.


E com isto chego ao início da tal descida para o Curral.. Aqui redobro a atenção, o meu pé ainda não está em condições. Nas zonas piores vou com muita calma, mas faço o resto da descida a curtir!!

Se a descida foi fixe, chegado lá abaixo aqueles km em alcatrão até ao abastecimento foram uma tremenda seca....

Finalmente alcanço o abastecimento. Descanso um bocado, aproveito para comer que já vou com fome, queria Coca-Cola mas só têm Pepsi... bahhhhhh 

Aqui encho os 2 flasks que já trazia, e outro extra por causa da brutal subida que temos pela frente, até ao Pico Ruivo!

Saio do abastecimento confiante, e mantenho ritmo sem abusar. Dou início à subida onde tento manter uma cadência constante e assim consigo ir. Consegui ir.... até fazer PUMMMMM. Pouco depois das Torrinhas, comecei a sentir as forças a fugir, devem ter ficado algures a meio da subida. Os metros começaram a demorar mais a passar, cada passo custava o dobro a dar. Oh porra... até vinha tão bem, tinha de rebentar.. Depois de olhar pro relógio milhentas vezes a ver quanto faltava para o abastecimento, sento-me numa pedra. Pronto.. fiquei sem energia, estou KO, vou ficar aqui até ter energia novamente. Só que nesse preciso momento toca o telefone, é a Ana Bela e os miúdos a saber como estou, e depois de umas palavras animadoras e reconfortante, lá me levanto e faço-me ao caminho, afinal de contas a casa do Pico Ruivo já está ali tão perto.....

Entro, está um ambiente acolhedor, quentinho! De um lado estão uns atletas a descansar, parecem estar a dormir!! Do outro sentados, a comer, recostados a descansar também. Há 2 ou 3 que já por ali ficam... Dirijo-me às simpáticas senhoras que lá estão, e peço um chá. Faço umas sandes de pão com marmelada, e arranjo um espacinho para me sentar. Depois daquela sandes foi outra, e mais outra, e mais outra. Batatas fritas, banana e laranja. Mas o que me soube melhor foi mesmo o chá, reconfortou o estômago e a alma! Saio cá para fora, está um frio brutal. Aperto o impermeável, coloco as luvas e arranco que não sou dali. 

Este bocado entre os picos já conheço, fiz em setembro quando estive de férias na ilha. Este bocado é fantástico, de uma imponência e belezas impressionantes. 






Logo a seguir às escadas metálicas páro. Já me afastei do Pico Ruivo, já vou com calor, tenho de tirar o impermeável. Sigo mais confortável, no meio de um comboio de franceses. Por falar nisso, nesta prova parece que estamos em França, estão em maior número que os portugueses. Em cada 10, uns 7 são gauleses. Allezz allezz, chegamos ao Areeiro, apanhei melhor tempo que em Setembro o que permitiu desfrutar daquelas vistas maravilhosas. 

Foto do Aurélio David, espectacular


Até ao Chão da Lagoa é um tiro, bom para correr. Entro no abastecimento, já vou com fomeca!! Vou buscar uma taça de arroz com carne picada, e sento-me a comer. Não muito longe estava um aquecedor, mas que bem se estava ali. À falta de Coca-Cola, acabei com meia garrafa de Pepsi - quem não tem cão caça com gato, certo?!

Só que de tão bem que se estava ali, provavelmente estive tempo a mais, o corpo adormeceu, e aqui mudou por completo a prova... Aliado ao normal cansaço, comecei a sentir a falta de amortecimento dos ténis. Os Sense Ride que tanto gosto, que tanta confiança me dão, mas que provavelmente não serão os melhores para estas distâncias. Até à Portela comecei a ter dificuldades em correr, as dores por baixo dos pés começavam a incomodar. Como se isto não bastasse, com o cair da noite à chegada à Portela, caiu em cima de mim uma carga de sono que parecia que não dormia há 3 noites.... Só me apetecia dormir, entrei no abastecimento e encostei-me lá numa cadeira, deitei a cabeça em cima das penas todo dobrado, mas mais uma vez o telefonema de casa deu-me o boost para arrancar. Porto da Cruz é já ali, são "só" cerca de 6km....

Pois, 6 km mas mal saímos do abastecimento entramos num caminho real, bastante inclinado e húmido.... TOP mesmo!!! Depois do caminho real, uma levada, pois claro. E depois dessa levada, toma lá mais outra!! Caraças para isto um gajo já vai todo lixado e não facilitam nada... Ai queres facilidades??? Então toma lá uns quilómetros em alcatrão para aprenderes!!! Pelo caminho ainda encontro a Andreia, que estava à espera do seu Paulo, que eu sabia que já não vinha nas melhores condições..

Chego finalmente ao abastecimento, assim que entro sento-me na 1ª cadeira que encontro. Vem uma voluntária bastante simpática ver se estou bem, digo-lhe que já só vou estar bem quando conseguir deitar-me na minha cama, pergunta se me pode trazer alguma coisa e agradeço e peço um chá. Devia ter comido, mas o sono e o cansaço já eram tantos que nem tive vontade.

Saio do abastecimento depois de mais 1 telefonema, já são só 16km até Machico mas não consigo correr, portanto serão cerca de 3h. Vou na conversa com um espanhol de Barcelona, é a primeira vez dele na Madeira e está a adorar também. Mas se eu não vou bem ele vai pior, e assim que chegamos às primeiras escadas ele fica para trás. É assim, amigo não empata amigo e hasta la vista, arrasto-me por ali acima a fazer um esforço para mexer as pernas e não fechar os olhos.... Alcanço finalmente o Larano...


Tantas histórias que já ouvi do Larano, novas vidas que por lá se ganham, mas quem mais por ali habita nas alturas do MIUT são os mortos vivos e hoje sou um deles também. Cada passada que dou é menos 1 que falta para a meta, ou para a cama que tanto quero.... Mas caramba, quantos quilómetros tem o Larano?? Isto nunca mais acaba. Sou passado, ainda há uns mais vivos que eu, mas também ainda consigo passar, há sempre quem esteja pior.... 

Finalmente saio do Larano, hei-de voltar e conseguir passar de dia para ver se realmente é tão belo como dizem, mas agora foi com alívio que virei pra Boca do Risco, para depois apanhar a infindável levada de Machico. 

Não sei qual foi pior, o Larano ou esta levada, em que já se vêem as luzes de Machico ao fundo mas há sempre mais uma curva e outra, que nos afastam quando parece que é já ali... 

Por fim saio da levada, uns metros de alcatrão e as escadas que nos colocam lá em baixo, com a meta já ali...

Finalmente, volto a correr. O objectivo está prestes a ser cumprido, o sonho concretizado, a meta do MIUT cruzada.



Não correu como esperava, mas no papel os imprevistos nunca acontecem e corre tudo como planeado.

Fui vergado, bem vergado, mas não fui vencido. 

Desafiei o MIUT, se calhar em dada altura substimei-o, e ele colocou-me bem no meu lugar, mas conquistei-o.


O domingo foi passado com os amigos, a hidratar e a fazer o rescaldo da prova.


E ainda consegui tirar uma foto com a melhor atleta do mundo, a Courtney claro!


O meu 1º MIUT está feito, irei voltar é certo. Há erros que não voltarei a cometer, mas quero voltar a viver tudo novamente, quero voltar ao meu parque de diversões. Já adorava a ilha da Madeira, e agora fiquei completamente apaixonado. 



Porque... existem as outras provas e depois... há o MIUT


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