quinta-feira, 31 de maio de 2018

ESTRELA GRANDE TRAIL

Cresci a ver a Serra da Estrela num horizonte não muito distante. Cerca de 50k distavam dos meus lugares de brincadeira para o ponto mais alto de Portugal continental. De onde quer que olhasse lá estava ela, imponente, vestida com o manto branco durante o inverno e o início da primavera, e despida mas ainda assim bela durante os meses de verão. Foram várias as vezes que fomos passear à serra: fazer sku na neve, ver as trutas em Manteigas e a etapa raínha da Volta a Portugal, com a subida à Torre! 
Lembro-me de olhar para aqueles ciclistas e pensar que eram uns heróis, subir assim à Torre!, que brutalidade. Nunca imaginei, naquela altura, que iria um dia também subir ao ponto mais alto da serra não de bicicleta, mas a correr!!!


O Estrela Grande Trail há muito que estava nos planos, só não sabia se era para este ano ou o próximo. A ideia inicial passava por ir a Portalegre ajustar umas contas que ficaram por terminar no ano passado, mas a hipótese de variar este ano também não me desagradava, e por isso acabei por decidir fazer esta prova; em 2019 volto a Portalegre!!

Aproveitando que ia fazer a prova, decidimos ir todos. Tirámos a 6ª feira de férias e fizemos uma viagem calma até Canas, com direito a paragem para almoço junto ao rio Mondego para um agradável e descontraído picnic e o jogo de atirar pedras para o rio, com o Tomás e a Madalena!!

A meio da tarde chegámos a Canas, e a partir daí foi só descansar, comer, hidratar e acabar de preparar as coisas para o dia seguinte.
A vista em Canas para a Serra da Estrela

Para o final da tarde chegaram também o Paulo e a Ana Alves. Iam ficar em Canas connosco e no dia seguinte iríamos todos juntos para Manteigas. Com o Paulo e a Ana há sempre boa disposição, e foi assim que decorreu o jantar e a pequena caminhada que fizemos antes de ir deitar.

4h30' da manhã e toca o alarme do telefone. 2 minutos depois começa a apitar o relógio! Estava na hora de sair da cama, equipar, tomar o pequeno-almoço e arrancar em direcção a Manteigas!

Viagem de cerca de 1h20' feita sem sobressaltos, a apreciar a magnífica paisagem com que fomos brindados assim que começámos a subir de Seia. A apreciar a paisagem, e a concentrar-me para o desafio que estava prestes a começar!!!

Chegados a Manteigas os carros foram estacionados bem perto da zona da partida, e fomos ao secretariado levantar os dorsais, processo que correu bastante rápido e sem sobressaltos. Depois foi tempo de ir tomar café, acabar de equipar e ir para a zona da partida. Estava prestes a começar!!!


Depois de ouvir as últimas indicações dadas pelo Armando Teixeira e a contagem até 0, arrancámos. E arrancámos, logo a subir! E assim seria pelos próximos 6km, até chegarmos às Penhas Douradas. Um trilho que sai de Manteigas serra acima aos "esses", e que nos colocou logo em sentido!! Os 8km que nos separavam do 1º abastecimento no Vale do Rossim não iam ser fáceis!! Apesar de ainda ser cedo, o sol já estava a aquecer e não tardou a estar a transpirar e cheio de calor! Este troço até às Penas Douradas foi feito maioritariamente a caminhar com pequenos bocados de corrida; não convinha forçar pois ainda faltava muito.

Chegados ao largo das Penhas Douradas entrámos num estradão onde já dava para correr e assim se fez. Um pouco à frente já se avistava o lago do Vale do Rossim, estávamos a chegar ao abastecimento. Corríamos agora por terrenos queimados, onde a terra fica mais mole e como que se desfaz à nossa passagem, onde há cotos de árvores queimadas, onde é preciso mais cuidado onde se colocam os pés, não vá fazer-se uma entorse....
C#$%$##"% para isto, foi isso mesmo que aconteceu.... Nessa zona coloquei mal o pé direito, e fui logo ao chão. As dores eram fortes, e à memória veio imediatamente a entorse que fiz no ano passado nos Montes Saloios que me fez desistir da prova e parar 1 mês... Levantei-me calmamente, tentei pousar o pé e avaliar se as dores eram semelhantes; não eram, pelo menos conseguia caminhar.
Comecei lentamente a caminhar e depois a correr, a dor abrandou um pouco, o abastecimento estava ali a 300m e chegado lá iria colocar ligadura. Depois, logo se via!!!
Chegada ao Vale do Rossim

Cheguei ao abastecimento, e já lá estava o Paulo. E a Ana, e o meu Pai e a Lena. Comi um bocado de laranja, banana, enchi os flasks e dirigi-me apressado a umas cadeiras que lá estavam. "Torci o pé ali atrás. Tenho de colocar a ligadura". Soou o alarme, acho que ficaram mais aflitos que eu lol

Ligadura colocada, um "até já" e lá seguimos que estava na hora.

O troço agora até à Garganta de Loriga era um "falso plano", sempre a ganhar altitude mas sem grandes inclinações, dava para ir correndo. Fomos seguindo, de vez em quando lá me dava uma pontada de dor no pé, mas nada demais.
Aqui com o meu amigo Rui

Rapidamente chegámos à Fenda da Nave Mestra, local emblemático da serra da Estrela. Com a minha elegância não tive grandes problemas em passar este obstáculo, apenas alguns cuidados por causa do pé, o receio de o colocar mal era grande. Atravessado este ponto continuamos em direcção à Garganta de Loriga e chegamos aos pontos onde ainda havia neve, ou gelo vá! Engraçado ao início, depois começou a fartar um pouco e a dificultar a progressão. E nisto estávamos no 2º abastecimento, onde só havia líquidos para reabastecer os flasks para a subida para a Torre.



O meu pai aflito pergunta como estava e repondo que estou bem, sem preocupações.



Enchemos e seguimos, mais um bocado de neve para atravessar e entramos na subida para a Torre. Neste ponto já começava a ficar com algumas dificuldades para subir, a fome começava a apertar, começava a sentir-me fraco....

Foi um alívio enorme quando vi a Torre ali à frente, mas os metros custavam a passar...

Chegada à Torre. Foto espectacular tirada pela Ana

Finalmente atingimos o ponto mais alto, muita gente a tirar fotos, a apoiar os atletas. Dirigi-me para o abastecimento, ia faminto e só pensava em comer!!! Peguei logo num bocado de laranja, banana, bolachas e pão, e por fim sentei-me a comer uma taça com bolonhesa. Finalmente estava a recompor o estômago e a acalmar um pouco, a recuperar forças. Esta subida tinha sido mais difícil que o esperado, aliado às ligeiras dores no tornozelo e à fome, sentia alguma dificuldade em respirar devido à altitude. Na verdade, já tinha comentado com o Paulo pouco depois do Vale do Rossim que estava a sentir dificuldades a respirar como nunca havia sentido.
Depois de recomposto o estômago, fui ao carro do meu pai que estava ali ao lado. Precisava de trocar a ligadura que tinha no pé, que estava apertada demais e trocar por um suporte para o tornozelo com compressão que tinha no saco. Aproveitei e troquei também as meias para umas secas, que se mantiveram secas apenas por escassos minutos!!

Aqui a tirar a ligadura e a trocar de meias
Troca feita, era hora de seguir. O Paulo estava bem e seguiu à frente, fez bem pois eu ia mais lento e como se costuma dizer, amigo não empata amigo! Ora depois de chegar ao ponto mais alto, a solução é descer. E assim que saímos da Torre o caminho era para baixo! 1º pelo meio da neve/gelo, e depois de andar uns quantos metros pela estrada, entrámos num trilho paralelo à estrada, com muita pedra e de difícil progressão no estado em que ia.
Esta foto faz jus ao lema da prova: "Enjoy being small"
Segui por ali abaixo com cuidados redobrados para não torcer novamente, até chegar ao cruzamento do trilho com a estrada, onde estavam novamente o meu Pai, a Lena e a Ana e entrar no trilho que guiava pelo Vale Glaciar.


Aqui já mais a direito, era mais fácil correr. Ali sentimo-nos mesmo pequenos entre os montes gigantes... Fui seguindo com calma até chegar a novo abastecimento. Aí havia um pequeno tanque com água fresquinha, onde mergulhei imediatamente as duas pernas; que bem que soube, e não fui o único a seguir esta táctica de refrescamento!! Após uns minutos de molho lá me abasteci e segui caminho. O próximo troço começava com uma subida com inclinações na casa dos 20 a 30% e cerca de 1,5k com 270D+, não foi fácil!!!

Chegado ao topo entrámos num estradão. Soube bem para poder esticar as pernas novamente e voltei a correr, devagar mas ia a correr! Começou também a ameaçar chover e de repente ficou frio, o que obrigou a vestir o impermeável. Um pouco à frente encontrei o Luís e a Goreti que estavam a fazer a prova dos 109k, e colei-me a eles! Soube bem ir com companhia e lá seguimos alegres e na conversa até ao abastecimento seguinte.
Ali aproveitámos para descansar, abastecer de líquidos e seguimos. Até ao Poço do Inferno iríamos juntos, depois as provas separavam-se. O ambiente ia agradável, o ritmo descontraído e o percurso também entrou num trilho bastante agradável, uma espécie de bosque onde dava uma vontade enorme de correr, o meu medo era mesmo o tornozelo....
Chegámos ao Poço do Inferno e separamo-nos, eles ainda tinham quase uma maratona pela frente, eu estava a pouco mais de meia dúzia de km da meta. Mas aqui tive uma surpresa inesperada: mais uma parede para subir, pensava mesmo que já não havia mais subidas daquelas...
Pois bem, se ela ai estava tinha de ser feita por isso lá cerrei os dentes e enfrentei-a. Já ia melhor do pé, no último abastecimento tinha tomado um Ben-U-Ron e as dores estavam a abrandar pelo que a confiança aumentava um pouco.

Chegado ao topo, agora sim era a descer ate Manteigas!! Sempre com cuidado para não torcer novamente mas a ganhar confiança, foi a parte da prova onde me senti melhor.
"Disparei" por ali abaixo a ritmos que ainda não tinha atingido nesta prova, foi o segmento onde me diverti mais.
Aos 43k passo novamente pelo meu Pai e a Lena. A Ana já tinha seguido para Manteigas para acompanhar o Paulo na chegada à meta :)

Incrível a alegria deles ao nos verem, a alegria e motivação que nos transmitem ali naqueles poucos segundos em que passamos por eles. Faltavam 5k, estava a sentir-me muito bem e só queria chegar!!

Continuei com tudo o que tinha e cheguei a Manteigas, uma última rampa a subir e entro na recta da meta, finalmente a passadeira amarela!


Lá ao fundo estavam eles à minha espera. Sigo em corrida pela passadeira amarela, é uma descarga enorme de toda a adrenalina acumulada ao longo de tantas horas de prova, de tanto sofrimento, mas neste momento a certeza que tudo vale a pena.
Corto por fim a meta, estou feliz, todos estamos felizes.
Adoro esta foto, acho que está fantástica!
Apesar de tudo tanto eu como o Paulo acabámos bem. Ficamos por ali a tirar fotos, estava terminada a prova! Demorei mais que o que tinha pensado, bem mais. Mas não esperava tantas dificuldades, nem torcer o pé logo aos 8k. Desistir só era opção se a entorse fosse mesmo grave, assim tive de ir sempre a proteger o pé com cuidados redobrados principalmente a descer.
Com o meu Pai e a Lena
Depois fui tomar banho e, se há algo que há a apontar à organização é aqui: sei que a crioterapia é uma boa terapia de recuperação, mas depois de tanto acho que merecíamos um banho de água quente!!

sábado, 12 de maio de 2018

30K Vale dos Barris - Bailado na lama!

A Arrábida é o meu local de eleição. Seja para treinar ou simplesmente para passear com família e amigos, a minha 1ª opção é sempre a mesma: Serra da Arrábida, local onde passo grande parte das manhãs dos domingos. Apesar disso, nunca tinha participado nos 30k de Vale dos Barris...


Não sei explicar o porquê, sempre que pensava nesta prova via uma prova muito rolante, sem grande dificuldade e realizada pelos estradões da Serra do Louro e Vale dos Barris. Nada mais errado, pelo menos este ano!!

A partida estava marcada para as 9h, cheguei ao local onde era a partida pelas 8h30'! Levantar o dorsal e ficar por ali na conversa com o pessoal da equipa até à hora de arrancar. Depois de uma pequena contagem, deu-se início a mais uma edição dos 30k de Vale dos Barris.

Arranque rápido, mas mantive-me perto do grupo da frente. Contudo, assim que passei a 1ª zona com mais lama, percebi que ia ser uma manhã "engraçada"!! Até cerca do km 4 mantive o ritmo que levava, mas depois decidi abrandar um pouco. Os ténis - a dúvida era entre estrear os Sense Ultra 2 ou levar os Wings 8, e optei pelos últimos - não estavam com aderência nenhuma, e sempre que apanhava um pouco mais de lama parecia que estava num escorrega!!

Assim num ritmo um pouco mais calmo e menos perigoso fui seguindo por trilhos bem conhecidos até chegar à Aldeia Grande e atravessar a N10. 

Depois um pouco à frente, cerca do km8 até ao k 10,5 entrámos em trilhos que eu não conhecia e com alguma tecnicidade, e onde os meus ténis hoje não estavam a ajudar nada e fazia aumentar o receio de alguma entorse. Aí fui com mais cautela, até chegar ao estradão no sopé da Vigia, zona já muito familiar! Foi com satisfação que cheguei à casa do Javali, local tão bem conhecido e onde começa a subida pela pedreira até à Vigia. Aí ainda pensei que fôssemos subir ao posto da vigia; apesar de no gráfico de altimetria só ir até cerca dos 200m, ao chegar ali já não batia certo o perfil do gráfico com o que estávamos a fazer, portanto..... Mas não, ao chegar a meio da subida virámos à esquerda e começámos a descer, e a meio dessa descida nova virada à direita, por um trilho aberto propositadamente para a prova e que, sinceramente não gostei de o fazer: preferia que nos tivessem deixado aproveitar a descida até ao fim!! Neste momento começou também a chover quase torrencialmente, e o impermeável... tinha ficado no carro pois claro!! O que vale é que foi chuva de pouca dura, a roupa seca rapidamente, mas deu para encharcar os trilhos e fazer um pouco mais de lama ainda! Houve subidas, pequenas rampas que se fazem facilmente, que era um passo para a frente e dois para trás! Estava a ser uma aventura nalguns locais!

E com isto, atravessamos Vale dos Barris e entramos na zona do Alcube. Aqui já com roupa seca, tempo seco, trilho largo e a descer, entro com demasiada confiança e não reparo que havia uma zona com pedra. Pois, está-se mesmo a ver o que aconteceu! Escorreguei e pumba, um bom par de trambolhões que me puseram a sangrar e cheio de dores no joelho direito e mão direita... ah, e uma valente capa de lama por cima do local onde sangrava!!Aquilo que temia quase desde o início acabou por acontecer, e segui a passo até chegar mais à frente a um atravessamento de um curso de água, onde aproveitei para lavar a pernas e mãos! A água não parecia muito limpa, mas sempre ouvi dizer que água corrente não faz mal!!
Depois desta pequena pausa lá segui, com alguma dificuldade em caminhar ainda, e a perna direita mais fraca dificultava a progressão num terreno já de si complicado. Aguentei-me assim um par de km até que fui voltando a conseguir correr. Com muito cuidado segui, mas sem conseguir evitar mais umas quantas quedas. Bem tentava nas descidas fugir à zona mais escorregadia, ir pelas ervas, mas havia zonas onde era quase impossível!!

E foi depois de mais umas quedas que entrei no estradão do Alcube, e um par de km depois cheguei ao abastecimento, onde parei e comi que já ia com fome!

Depois lá segui para os 9km finais, atravessar novamente a N10, Aldeia Grande e seguir em direcção à Comenda. No parque de merendas aproveitei para lavar novamente o joelho, aqui já com água limpa! Aqui estava a cerca de 3km do final, faltava apenas a subida final para cortar a meta.

3h55' depois da partida acabei a prova. Não fiquei satisfeito com o tempo final pois esperava fazer no máximo cerca de 3h30', mas depois da queda que dei não havia mesmo maneira de arriscar e os últimos 14k foram feitos a um ritmo muito calmo! O EGT é já daqui a dias e é mais importante. Fiquei no entanto satisfeito porque não senti nenhuma quebra física, o corpo transmitiu sempre boas sensações.

Em relação à organização, há vários pontos que devem melhorar para próximas edições: o perfil disponibilizado não correspondeu com o que fizemos, os abastecimentos não estavam nos locais indicados e as marcações houve vários locais onde ficámos na dúvida para onde seguir.