terça-feira, 4 de outubro de 2016

Grande Trail Serra D'Arga

A propósito de um post que fiz no Facebook, dizia o meu primo Henrique: "Estás em casa." 
E era verdade, estava em casa.
O Grande Trail da Serra D’Arga não era apenas uma prova organizada pelo Carlos Sá, mas sim um regresso às origens. A minha avó materna é de um concelho vizinho, e a minha Mãe também. Esta não era apenas mais uma prova de superação, mas sim uma prova com uma enorme carga emocional. Enquanto percorria os trilhos da serra, não tao bela como outrora devido ao flagelo dos incêndios, passava pelo meio das aldeias com o seu cheiro característico, sentia o cheiro dos animais, as ruas empedradas estreitas e com a marca da passagem do gado, os pequenos muros a demarcar os terrenos, tudo isto me transportava para os meus tempos de menino, em que no Verão, no Natal ou na Pascoa íamos passar as ferias, como dizia na altura, ao Minho. Alturas houveram em que me revia a caminhar por ali com os meus pais, a saltitar de pedra em pedra, enquanto íamos a caminho da casa de algum familiar. Lembro-me que na altura não gostava do chão estar tão sujo, desta vez adorei reviver essa memoria.
As ruas que percorria em menino não eram aquelas de Dem, de Arga de São João ou da Montaria, mas eram iguais, numa aldeia ali ao lado…


São 6:50 da manhã, tenho tudo arrumado e sento-me a comer o pequeno-almoço a que estou habituado: umas sandes mistas (2 porque o pão era pequenino e um sumo natural).  E aqui tenho o 1º sinal que as coisas poderiam não vir a correr como eu esperava; o pequeno-almoço não me caiu bem, comi a custo uma sandes, e a outra nem lhe toquei… tentei ignorar, e seguimos para Dem.
Viagem rápida, e aqui respira-se trail por todo o lado. O tempo está encoberto, à nossa frente a serra que havemos de seguir logo ao início. 


Dirijo-me para a zona de partida, com passagem rápida pelo controle zero. Cumprimento umas caras conhecidas, e ouvimos o sino a dar as badaladas. Tenho ainda um historial de grandes corridas pequeno e esta será a mais mítica de todas em que participei. A atmosfera é brutal, o nervoso miudinho apodera-se e arrancamos. Ao passar o pórtico ligo o cronómetro. Começou o tão aguardado Grande Trail Serra D’Arga!!


A prova começa com a já conhecida volta a Dem, para esticar o pelotão, e dai segue para a serra. Tento não me entusiasmar e gerir o ritmo, pois a prova é longa. Correr a descer e a direito, trote sempre que possível a subir, e quando não conseguir ir a caminhar mas tentar manter um ritmo constante. 
Ao km4
Consigo ir a seguir o planeado e a prova vai a correr muito bem. Á passagem da 1ª hora tomo um gel, no 1º abastecimento bebo um copo de água para poupar a que levo, e sigo.


Vou-me a sentir bem até chegar ao abastecimento no km21. Tentei comer banana, laranja ou batatas fritas, mas não me sabia bem. Bebi um pouco de isotónico e segui, mas a pensar nesta questão, a juntar ao pequeno-almoço e que me abalou a confiança.
Daqui para a frente, e até chegar ao Alto da Srª do Minho, fui a muito custo. 
A última foto que tirei com a GoPro. Os cavalos soltos na serra
A maior parte do tempo a caminhar, com ataques de tosse e vómito. A certa altura passou-me pela cabeça desistir logo ali, ou seguir no máximo até aos 33, onde seria classificado nessa distância. Ao chegar ao alto, bebi água fresca de umas torneiras que lá havia, e descansei um pouco. 
Era esta a minha cara de ânimo ao chegar à Srª do Minho

Não muito, mas o suficiente. Falar com o meu Pai e a Lena que estavam lá à minha espera devolveu-me algum ânimo. Deixei-lhes a GoPro, já não a ia a usar e só me pesava! Disse-lhes que ia seguir pelo menos até à Montaria, que ia avaliar como me sentia até lá e decidiria se ficava por ali ou continuava. Esta era a parte racional a falar, porque a outra, a irracional e mais competitiva, já tinha decidido que ia até ao fim! Estava ali, a cumprir um desejo, e não ia deitar a toalha ao chão tão facilmente!
Saído do alto, voltei a conseguir correr no planalto que se segue, e depois na descida para a Montaria. Apesar de técnica, ser preciso andar a saltar de pedra em pedra e a massacrar mais as pernas, gosto bastante destas descidas, e voltei a ganhar alguma força amímica nesta descida.
Cheguei à Montaria, e encostei à esquerda no abastecimento. A meta dos 33k era mesmo ali, tentador ainda! Aqui encontro o Joel Ginga e pergunto como ele está, digo que vou descansar um bocado e que depois sigo. Ele arranca, porque amigo não empata amigo e há que aproveitar o momento.
Não consegui mais uma vez comer nada, sentei-me no chão durante uns 5’. Tinha perdido imenso tempo desde o último abastecimento, cheguei ali com 4h53’ e decidido a recuperar de alguma forma forças para seguir. Ponderei, alonguei, e ao fazer 5h de prova, levantei-me e dirigi-me para o lado direito da passadeira vermelha, para prosseguir a prova.
Ainda caminhei durante uns metros, e depois comecei a correr. Primeiro devagar, um trote lento, e depois fui aumentando o ritmo.
A sentir alguma fraqueza porque há muitas horas que não conseguia comer nada de jeito, cheguei ao abastecimento seguinte. Aí voltei a encontrar o Joel, comentei que não conseguia comer nada, e ele sugere para pelo menos tentar a melancia. Assim fiz, e que bem que soube! Comi uns bocados de melancia e seguimos juntos. Dentro do possível íamos correndo, até porque estávamos agora na zona junto ao rio e era uma zona mais técnica, e já não estando bem, era mais complicado correr.

Fazia em muito lembrar a 1ª prova que fiz este ano, o Trail Centro Vicentino da Serra em Portalegre, e onde me lesionei, por isso foi com algum cuidado redobrado que transpus alguns obstáculos. Sempre a subir, chegámos ao último abastecimento. Já ia novamente a sentir fraqueza, nalgumas partes em piloto automático e a seguir o Joel, que ia sempre a dizer que devia comer algo com açúcar. Pois, os géis até iam na mochila, mas só de pensar nisso….
Aqui consegui finalmente comer. Bebi um copo de Coca-Cola, que penso que ajudou bastante, comi banana, laranja, batatas fritas, e chocolate, muito chocolate!! Fomos ainda informados que a prova não seriam apenas 53k, mas sim 53 + 3 ou 4. OK, siga!!

Ainda subimos mais um bocado até às eólicas, onde já sentia bastante frio. Ainda pensei vestir o casaco, mas não adiantava porque íamos começar a descer e ficar protegidos pela encosta.
E começámos a descer, aquilo que penso que foi uma estrada romana. E ia a sentir-me bem. E a descida era tal como eu gosto, e fui!! Fui por ali abaixo a correr, abrandando só no final. Aí voltei a ser apanhado pelo Joel, mas ele só dizia: “o motor voltou a trabalhar, não pares!!”. E Dem já se via ali ao fundo, o motor continuava a trabalhar, e eu fui novamente! Obrigado Joel pelo apoio, foi importantíssimo.
Num instante cheguei à aldeia, e estava a virar à esquerda para meta. As dores e a fraqueza desapareceram! Ao chegar à passadeira vermelha, vejo o meu Pai e a Lena. Estão também contentes, e o meu Pai segue a correr comigo a cortar a meta!!
Estava feito, não tão bem como tinha planeado, mas o principal objectivo estava cumprido.


Um trail por variadas razoes especial, numa região especial. Não consegui ainda perceber o que se passou, já várias pessoas me disseram que pode ter sido dos nervos, de todas as emoções sentidas no fim-de-semana. Talvez, não sei….

Esta foi sem dúvida a melhor prova em que participei. Desde o levantamento dos dorsais em Caminha, à partida em Dem, marcações do percurso que nunca deram margem para duvidas, abastecimentos e simpatia dos voluntários. TOP. É claramente uma prova a repetir, e esperar que dessa vez consiga gerir melhor tudo.



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