A propósito de um post que fiz no
Facebook, dizia o meu primo Henrique: "Estás em casa."
E era verdade, estava em
casa.
O Grande Trail da Serra D’Arga
não era apenas uma prova organizada pelo Carlos Sá, mas sim um regresso às
origens. A minha avó materna é de um concelho vizinho, e a minha Mãe também.
Esta não era apenas mais uma prova de superação, mas sim uma prova com uma
enorme carga emocional. Enquanto percorria os trilhos da serra, não tao bela
como outrora devido ao flagelo dos incêndios, passava pelo meio das aldeias com
o seu cheiro característico, sentia o cheiro dos animais, as ruas empedradas
estreitas e com a marca da passagem do gado, os pequenos muros a demarcar os
terrenos, tudo isto me transportava para os meus tempos de menino, em que no
Verão, no Natal ou na Pascoa íamos passar as ferias, como dizia na altura, ao
Minho. Alturas houveram em que me revia a caminhar por ali com os meus pais, a
saltitar de pedra em pedra, enquanto íamos a caminho da casa de algum familiar.
Lembro-me que na altura não gostava do chão estar tão sujo, desta vez adorei
reviver essa memoria.
As ruas que percorria em menino
não eram aquelas de Dem, de Arga de São João ou da Montaria, mas eram iguais,
numa aldeia ali ao lado…
São 6:50 da manhã, tenho tudo
arrumado e sento-me a comer o pequeno-almoço a que estou habituado: umas sandes
mistas (2 porque o pão era pequenino e um sumo natural). E aqui tenho o 1º sinal que as coisas poderiam
não vir a correr como eu esperava; o pequeno-almoço não me caiu bem, comi a
custo uma sandes, e a outra nem lhe toquei… tentei ignorar, e seguimos para
Dem.
Viagem rápida, e aqui respira-se
trail por todo o lado. O tempo está encoberto, à nossa frente a serra que havemos de seguir logo ao início.
Dirijo-me para a zona de partida, com passagem rápida pelo controle zero. Cumprimento
umas caras conhecidas, e ouvimos o sino a dar as badaladas. Tenho ainda um
historial de grandes corridas pequeno e esta será a mais mítica de todas em que
participei. A atmosfera é brutal, o nervoso miudinho apodera-se e arrancamos. Ao
passar o pórtico ligo o cronómetro. Começou o tão aguardado Grande Trail Serra
D’Arga!!
A prova começa com a já conhecida
volta a Dem, para esticar o pelotão, e dai segue para a serra. Tento não me
entusiasmar e gerir o ritmo, pois a prova é longa. Correr a descer e a direito,
trote sempre que possível a subir, e quando não conseguir ir a caminhar mas
tentar manter um ritmo constante.
Ao km4 |
Consigo ir a seguir o planeado e a prova vai
a correr muito bem. Á passagem da 1ª hora tomo um gel, no 1º abastecimento bebo
um copo de água para poupar a que levo, e sigo.
Vou-me a sentir bem até chegar ao
abastecimento no km21. Tentei comer banana, laranja ou batatas fritas, mas não me sabia bem. Bebi um pouco de isotónico
e segui, mas a pensar nesta questão, a juntar ao pequeno-almoço e que me abalou
a confiança.
Daqui para a frente, e até chegar
ao Alto da Srª do Minho, fui a muito custo.
A última foto que tirei com a GoPro. Os cavalos soltos na serra |
A maior parte do tempo a caminhar,
com ataques de tosse e vómito. A certa altura passou-me pela cabeça desistir
logo ali, ou seguir no máximo até aos 33, onde seria classificado nessa distância.
Ao chegar ao alto, bebi água fresca de umas torneiras que lá havia, e descansei
um pouco.
Era esta a minha cara de ânimo ao chegar à Srª do Minho |
Não muito, mas o suficiente. Falar com o meu Pai e a Lena que estavam
lá à minha espera devolveu-me algum ânimo. Deixei-lhes a GoPro, já não a ia a
usar e só me pesava! Disse-lhes que ia seguir pelo menos até à Montaria, que ia
avaliar como me sentia até lá e decidiria se ficava por ali ou continuava. Esta
era a parte racional a falar, porque a outra, a irracional e mais competitiva,
já tinha decidido que ia até ao fim! Estava ali, a cumprir um desejo, e não ia deitar
a toalha ao chão tão facilmente!
Saído do alto, voltei a conseguir
correr no planalto que se segue, e depois na descida para a Montaria. Apesar de
técnica, ser preciso andar a saltar de pedra em pedra e a massacrar mais as pernas,
gosto bastante destas descidas, e voltei a ganhar alguma força amímica nesta
descida.
Cheguei à Montaria, e encostei à
esquerda no abastecimento. A meta dos 33k era mesmo ali, tentador ainda! Aqui encontro
o Joel Ginga e pergunto como ele está, digo que vou descansar um bocado e que
depois sigo. Ele arranca, porque amigo não empata amigo e há que aproveitar o
momento.
Não consegui mais uma vez comer
nada, sentei-me no chão durante uns 5’. Tinha perdido imenso tempo desde o último abastecimento,
cheguei ali com 4h53’ e decidido a recuperar de alguma forma forças para
seguir. Ponderei, alonguei, e ao fazer 5h de prova, levantei-me e dirigi-me
para o lado direito da passadeira vermelha, para prosseguir a prova.
Ainda caminhei durante uns
metros, e depois comecei a correr. Primeiro devagar, um trote lento, e depois
fui aumentando o ritmo.
A sentir alguma fraqueza porque há
muitas horas que não conseguia comer nada de jeito, cheguei ao abastecimento
seguinte. Aí voltei a encontrar o Joel, comentei que não conseguia comer nada,
e ele sugere para pelo menos tentar a melancia. Assim fiz, e que bem que soube!
Comi uns bocados de melancia e seguimos juntos. Dentro do possível íamos correndo,
até porque estávamos agora na zona junto ao rio e era uma zona mais técnica, e já
não estando bem, era mais complicado correr.
Fazia em muito lembrar a 1ª prova que fiz este ano, o Trail Centro Vicentino da Serra em Portalegre, e onde me lesionei, por isso foi com algum cuidado redobrado que transpus alguns obstáculos. Sempre a subir, chegámos ao último abastecimento. Já ia novamente a sentir fraqueza, nalgumas partes em piloto automático e a seguir o Joel, que ia sempre a dizer que devia comer algo com açúcar. Pois, os géis até iam na mochila, mas só de pensar nisso….
Fazia em muito lembrar a 1ª prova que fiz este ano, o Trail Centro Vicentino da Serra em Portalegre, e onde me lesionei, por isso foi com algum cuidado redobrado que transpus alguns obstáculos. Sempre a subir, chegámos ao último abastecimento. Já ia novamente a sentir fraqueza, nalgumas partes em piloto automático e a seguir o Joel, que ia sempre a dizer que devia comer algo com açúcar. Pois, os géis até iam na mochila, mas só de pensar nisso….
Aqui consegui finalmente comer. Bebi
um copo de Coca-Cola, que penso que ajudou bastante, comi banana, laranja,
batatas fritas, e chocolate, muito chocolate!! Fomos ainda informados que a
prova não seriam apenas 53k, mas sim 53 + 3 ou 4. OK, siga!!
Ainda subimos mais um bocado até
às eólicas, onde já sentia bastante frio. Ainda pensei vestir o casaco, mas não
adiantava porque íamos começar a descer e ficar protegidos pela encosta.
E começámos a descer, aquilo que
penso que foi uma estrada romana. E ia a sentir-me bem. E a descida era tal
como eu gosto, e fui!! Fui por ali abaixo a correr, abrandando só no final. Aí voltei
a ser apanhado pelo Joel, mas ele só dizia: “o motor voltou a trabalhar, não
pares!!”. E Dem já se via ali ao fundo, o motor continuava a trabalhar, e eu
fui novamente! Obrigado Joel pelo apoio, foi importantíssimo.
Num instante cheguei à aldeia, e
estava a virar à esquerda para meta. As dores e a fraqueza desapareceram! Ao
chegar à passadeira vermelha, vejo o meu Pai e a Lena. Estão também contentes,
e o meu Pai segue a correr comigo a cortar a meta!!
Estava feito, não tão bem como
tinha planeado, mas o principal objectivo estava cumprido.
Um trail por variadas razoes
especial, numa região especial. Não consegui ainda perceber o que se passou, já
várias pessoas me disseram que pode ter sido dos nervos, de todas as emoções
sentidas no fim-de-semana. Talvez, não sei….
Esta foi sem dúvida a melhor
prova em que participei. Desde o levantamento dos dorsais em Caminha, à partida
em Dem, marcações do percurso que nunca deram margem para duvidas, abastecimentos
e simpatia dos voluntários. TOP. É claramente uma prova a repetir, e esperar
que dessa vez consiga gerir melhor tudo.
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